Tudo indica que, a descentralização do mercado de energia elétrica, poderá entrar em cena no Brasil em, no máximo, 2 anos. Essa novidade integrará o conceito do Open Energy, que visa permitir a compra e venda de energia elétrica por meio de aplicativos e outros meios digitais.
Esse novo mercado possui uma demanda altíssima, principalmente após o surgimento de veículos elétricos.
Para discutir esses assuntos, a plataforma de conteúdo The Shift focou no tema de inovação em energia em seu Podcast, que contou com a participação de pessoas importantes e influentes no mercado, como: Apolo Lira, Luiz Felipe Pamplona e Marcelo Augusto.
Confira alguns pontos que foram abordados pelas anfitriãs Cristina De Luca e Silvia Bassi.
Qual é hoje o maior desafio de inovação do setor elétrico do País?
Apolo Lira: Temos hoje no Brasil 13,7 mil startups, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (ABS). Mas no setor elétrico temos apenas 200.
É a partir destes números que temos um grande desafio para as startups romperem essa barreira: o que devemos fazer para ter mais projetos de inovação na rua?
O setor elétrico tem alguns problemas:
Por exemplo: o setor é altamente regulado. Hoje dependemos dele o tempo inteiro. É o caso da rede de distribuição: se falta energia em meio milésimo de segundo, essa falta é sentida de imediato. Já cria um caos para quem não tem operação de redundância de energia.
Esse problema também é muito normal entre consumidores. Por isso, falamos tanto em desafios.
Ainda sobre a regulação forte: qualquer situação dentro desse sistema [de energia] gera efeito colateral.
Outro problema: necessidade intensiva de caixa.
Isso quer dizer que se exigem soluções de hardware e elas são caras para criar e manter os laboratórios para testes exaustivos. Tudo isso contribui para a série de problemas.
Por sua vez, o mercado é relativamente pequeno e muito relacional.
O setor elétrico foi sendo construído nos últimos anos no País, mas ele é muito relacional: as pessoas precisam de conhecer para fazer negócios neste ambiente. Para fazer negócio, é um ambiente hostil.
Outra: quem propõe inovação dentro dessa cadeia às vezes entende pouco das estratégias dos grupos econômicos. É preciso entender o que eles querem: se é redução de custo, quais são os temas, qual é a eficiência que determinada tecnologia está comprovando em solução.
Para finalizar: as soluções precisam chegar ao consumidor. Por mais que se veja grandes grupos de energia, com milhões de clientes, nem sempre esses grupos chegam de fato aos consumidores finais.
Então, as startups que chegam a esses consumidores, e conseguem fechar negócios sem depender, no meio do caminho, de uma companhia de energia, é claro que essa companhia olha para a startup de maneira diferente.
Luiz Felipe Pamplona: Quando se trata de inovação, é um setor que enfrenta alguns desafios. Quero enfatizar sobre a grande relação com inovação aberta entre grandes corporações e startups.
Na primeira ponta, estão os transatlânticos que precisam de uma operação parruda e complexa para entregar um serviço tão essencial.
Na outra ponta estão os jet-skis, as startups, que têm facilidade de pilotagem, de mudar o seu modelo de negócios comerciais. E essa conexão, se não for bem articulada, gera frustração dos dois lados.
Se a startup não consegue entender a complexidade da operação e que, de fato, um grande grupo não irá conseguir colocar a solução em sua rede, existe de fato uma frustração por parte da concessionária. E vice-versa.
Se a concessionária não consegue entregar processos mais ágeis às startups, e até entender essa velocidade, que é quase uma entropia das startups, essas muitas vezes ficam frustradas.
Então esse equilíbrio entre os diversos perfis é um dos principais desafios da inovação aberta, ainda mais quando se trata de um setor tão regulado.
Marcelo Augusto:
Somos uma empresa grande, continuamos crescendo: temos diversas distribuidoras em diferentes estados, e alcançamos milhares de pessoas. Temos 10 milhões de clientes que multiplicados por três ou quatro familiares, somam 40 milhões.
A Equatorial é um transatlântico conduzida com muita responsabilidade porque seu core business, a distribuição de energia, é serviço essencial.
Mas, sim, estamos muito preocupados em fazer a inovação andar de maneira mais veloz.
O setor elétrico é um setor tradicional, sim. Mas, tenho certeza e garanto, é um setor que está aberto a inovações.
Toda a nossa holding percebeu o quanto a inovação é benéfica, traz resultados para nossos clientes, nossos acionistas, enfim para todos stakeholders do nosso negócio.
A gente, no Grupo Equatorial, iniciou a primeira grande onda de inovação se associando, ao mesmo, a grandes empresas de tecnologia mundialmente conhecidas e, também, a startups. É o caso das do Maranhão, que nos ajudaram a transformar nossos canais de atendimento, criando canais digitais realmente eficientes. Eles foram impulsionados pela pandemia e funcionam até hoje. Para se ter ideia, menos de 5% dos atendimentos são feitos atualmente por meio de agências de atendimento presencial.
Isso demonstra que a inovação, a originalidade, veio para ficar. E temos várias frentes no Grupo atuando, e estamos concentrando em inovação para poder criar modelo de governança no grupo todo, mas com foco em descentralizar, aumentando a maturidade digital.
Estamos conectados com startups e estamos abertos. Quando lançamos uma chamada dessa, nossa expectativa é se conectar com quem que seja que traga solução. E temos meios de financiamento de governança para tocar isso.
Para a gente, não faz diferença se é uma startup, se é uma pequena ou grande empresa de tecnologia, uma fintech, um instituto de tecnologia. Quem quiser contribuir nessas nossas necessidades, a gente busca parceiros a todo momento.
Em um cenário em que tudo no setor elétrico tende a ser descentralizado, teremos mesmo vários players em atuação?
Apolo Lira: A descentralização é um dos Ds que o setor elétrico tanto perseguiu, como a descarbonização.
No caso, a descentralização pode ser comparada com o open banking: vive-se no mercado bancário todo aberto e não será diferente para a energia.
Temos mapeadas algumas comercializadoras de energia que já estão fazendo suas interfaces de programação de aplicativos (APIs) funcionarem em testes, para que pessoas possam comprar e vender energia por meio de aplicativos.
Esse movimento irá acontecer, fica cada vez mais próximo. Temos também conversas com a Agência reguladora, a Aneel, de que esse movimento tende a acontecer nos próximos dois anos.
Ou seja: falamos em 2024 com um ambiente totalmente favorável à descentralização de energia.
Luiz Felipe Pamplona: Antes tínhamos modelo de fluxo de energia de um ciclo. A geração era feita por uma grande hidrelétrica, era transmitida para os grandes centros e distribuída.
Hoje, quando você coloca uma placa fotovoltaica no telhado de sua casa, isso deixa de ser deixa de ser um fluxo multidirecional e se torna uma rede. Então, toda parte operativa das concessionárias precisa se adequar a estas mudanças de comportamento.
Veja bem: o que a gente tinha de horários de pico, do consumo da energia, e quando a gente impõe o carro elétrico, não há mais o pico às cinco horas da tarde. Se terá um pico às sete horas da noite, quando o pessoal chega em casa para plugar seu carro na tomada.
Há uma mudança de padrão no consumo de energia que a rede precisa respeitar e se adequar. Isso está gerando mudanças estruturais bem significativas em todo o sistema.
Marcelo Augusto: A quantidade, a qualidade da tensão que chega às nossas casas, aos nossos negócios, são cada vez mais essenciais por conta da diversificação de tudo já citado.
E a gente, como consumidor, fica cada vez mais dependente e requerendo a melhor continuidade. Isso de fato endereça a maior parte das iniciativas de inovação, dos desafios quando falamos da digitalização do core business.
Fala-se de investimentos em ADNS, que é um sistema avançado que vale e as distribuidoras estão estudando, mas é um assunto tão amplo, complexo, afinal o sistema é montado em módulos para que seja digitalizado.
Hoje o fluxo de energia que sai da casa das pessoas para a rede é um grande desafio para as distribuidoras, uma vez que as redes não foram inicialmente concebidas para isso. A rede não é medida e nem automatizada para isso.
Mas não é por isso que o Grupo Equatorial está de fora e deixa de apoiar. Muito pelo contrário. Temos empresa de geração distribuída (GD), estamos melhorando os processos para recebimento dos novos pedidos, já que estamos com projeção incrível de aumento.
Também somos fomentadores das energias renováveis, não só de grandes usinas. No fim de março, por exemplo, lançamos o Eosolar, atlas digital de mapeamento do potencial eólico e solar no estado do Maranhão, onde a gente associa diversos outros indicadores para ajudar o investidor onde melhor investir.
Sobre a mobilidade elétrica, ela é um dos temas estratégicos para o Grupo Equatorial. Temos quatro projetos em desenvolvimento nesse tema. Falando nisso, no fim de março inauguramos em Teresina (PI) mais um eletroposto de acesso público, gratuito, para fomentar o uso de veículos elétricos.
Isso vai ao encontro do fato do Grupo Equatorial ser signatário dos objetivos do desenvolvimento sustentável.
Sabemos que uma hora ou outra a mobilidade elétrica irá virar. E isso irá demandar cada vez mais da nossa rede, seja por mudança no horário de pico, seja por outros assuntos, como a liberalização do mercado, em que o cliente poderá comprar a energia de qualquer comercializadora, já que a distribuidora precisa ser a mesma por questão física.
Voltando à questão da eletrificação, ela é colocada de maneira muito cautelosa e estudada – e é isso que nos debruçamos. Imagine hoje se todos os veículos que rodam a combustão fossem elétricos. Se consumimos hoje x megawatt-hora (MWh) de energia por ano, se todos os veículos fossem elétricos a gente teria de consumir 3 x MWh. Ou seja, preciso de 2 x a mais do que hoje é consumido. Seria preciso triplicar a quantidade de energia atualmente distribuída.
Isso traz alguns desafios. Um deles é o tipo de fone. A gente, o mundo, terá de investir em fontes renováveis, não poluentes. A necessidade de oferta é grande e ela pode vir antes do que se espera.
E, além disso, para os distribuidores e transmissores fica outro desafio, que vai além da digitalização: é a própria estrutura de energia para suportar tudo isso. Construiu-se, por exemplo, estrutura para correr x de energia e, em um futuro breve, será preciso triplicar a oferta.
Quais são as grandes inovações no setor elétrico para o consumidor final e para as indústrias?
Marcelo Augusto: Independentemente de quem seja o cliente, se pessoa física ou a grande indústria, temos a mesma preocupação com a qualidade da energia entregue.
Como parte dos clientes industriais requerem quantidade maior de energia, há atendimento diferenciado. Estamos permanentemente conectados, ouvindo, inclusive com orientações gratuitas sobre como melhor usar a energia.
Além da qualidade, temos a questão das perdas não técnicas, do furto de eletricidade, uma dor que chega a ser um problema crônico.
Quando se fala que é somente digitalização da rede, isso é muito amplo, acho que é preciso afunilar um pouco essas perdas. Ser mais específicos até para que a gente ajude a quem queira endereçar soluções.
Temos várias frentes a serem combatidas. Uma delas é a improdutividade. Grande negócio, milhares de pessoas, milhares de veículos, milhares de sistemas. Ter improdutividade é natural em uma empresa deste tamanho. Mas é preciso vasculhar isso, seja em atividades de campo, seja nos escritórios.
Atualizamos recentemente nosso roadmap de inovação. Em 2021, conversamos com todas as áreas corporativas do grupo, identificamos quase 400 oportunidades, priorizamos, organizamos em programas de atuação. E já produzimos projetos relacionados a isso.
Quando se fala que ‘é só a digitalização da rede’, existe muita oportunidade no negócio. Ele é grande, tem muitas áreas que precisam rodar bem para que se entregue no final da ponta uma energia de qualidade.
O setor tem convivido com o P&D Aneel. O que significa?
Apolo Lira: O programa P&D Aneel é uma verba regulada, detida pela própria agência reguladora para inovação. Já existe no setor elétrico há alguns anos e já foram originados mais de 2 mil projetos em investimentos de quase R$ 2 bilhões.
Essa conta sofreu variação, porque parte dela foi para ajudar a amortizar a conta Covid no auge da pandemia, mas falamos em recursos anuais da ordem de R$ 500 milhões. Isso já é pago pelo consumidor e destinado para inovar no setor elétrico.
A grande questão deste recurso é que 17% viraram negócio nos últimos anos e 83% é inovação básica, segundo relato da própria agência, a Aneel.
Para alguns, esse resultado é pouco e, para outros, isso é muito. Em nossa visão, há um equilíbrio para se ter necessidade de investir em inovação básica, ainda experimental, e o negócio é o que se vê na ponta.
A consulta 069 do programa, de 2021, trata de mudanças regulatórias dentro desse P&D. Para se ter ideia, o nome startup apareceu 27 nessa possibilidade de mudança, prevista para início de 2023.
Trará o P&DI, olhando para inovação, não gerando um projeto em si, mas um portfólio. Gerir também recursos do P&D em corporate ventures.
Vimos essa como uma tendência nos grandes grupos de conseguirem estruturar, ter liberdade maior para inovar com suas estruturas de corporate ventures, mas o setor elétrico ainda carece desse movimento.
É um dinheiro que passa por mudanças regulatórias e é utilizado por esse ecossistema de inovação.
Até que ponto este setor hiper-regulado irá direcionar a inovação para a mudança de matriz energética?
Marcelo Augusto: Em que pese o setor sem regulado, entendemos que a Aneel está olhando para a frente pensando também nestas disrupções.
A consulta citada pelo Apolo vem muito para mudar a forma como a gente pode investir esse dinheiro que já é pago na tarifa. Ou seja, como podemos diversificar mais o uso desses recursos para inovação.
Entendo que a própria agência reguladora tem outras frentes que estão indo ao encontro do que ocorre também no resto do mundo, que é o fomento à mobilidade elétrica, o fomento aos serviços auxiliares, que são as possibilidades de as distribuidoras prestarem outros tipos de serviços.
Hoje a gente paga para a distribuidora de energia o serviço para ela distribuidora e, na mesma conta, paga a geração e a comercialização da energia, além dos tributos. Com a liberalização dos mercados, se terá a possibilidade de escolher de quem você irá comprar a energia.
Acho que, sim, há várias frentes andando em conjunto e em paralelo para que o setor elétrico acompanhe a disrupção que ocorre no mundo todo.
Assim com o open finance, o open energy permitirá ao consumidor um maior controle de seus dados e escolher, por exemplo, a energia que irá comprar?
Apolo Lira: Sem dúvida. A própria Aneel estabelece um cronograma para, primeiro, mais unidades consumidoras poderem entrar nesse ambiente livre de contratação de energia.
Hoje em nossa casa não podemos participar, porque há classes de consumo, níveis específicos de tensão, mas existe processo de abertura de mercado e a forte tendência de descentralizar.
Matéria retirada do site: energiaquefalacomvoce.com.br
Créditos: PodCast The Shift, Cristina De Luca, Silvia Bassi, Apolo Lira, Luiz Felipe Pamplona e Marcelo Augusto.